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Direito à Vida no Sistema Europeu de Proteção de Direitos Humanos

01-04-2025

Inês Fernandes Godinho | Ana Elisabete Ferreira

"I· CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O direito à vida encontra-se consagrado no artigo 2.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (doravante, CEDH), em artigo que, além de podermos considerar que se encontra construído com o reconhecimento do direito e sua interpretação, não poderá ser plenamente compreendido sem os artigos 1.º e 3.º da CEDH e sem os Protocolos n.ºs 6 e 13 à CEDH.
Nos termos do artigo 2.º, sob a epígrafe "Direito à vida",
1. O direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei. Ninguém poderá ser intencionalmente privado da vida, salvo em execução de uma sentença capital pronunciada por um tribunal, no caso de o crime ser punido com esta pena pela lei[1].
2. Não haverá violação do presente artigo quando a morte resulte de recurso à força, tornado absolutamente necessário:
a) Para assegurar a defesa de qualquer pessoa contra uma violência ilegal;
b) Para efectuar uma detenção legal ou para impedir a evasão de uma pessoa detida legalmente;
c) Para reprimir, em conformidade com a lei, uma revolta ou uma insurreição.
Este é um dos artigos fundamentais da CEDH, que não admite derrogação, em tempo de paz, ao abrigo do artigo 15.º da CEDH[2]. Poder-se-á afirmar que, juntamente com o artigo 3.º da CEDH[3], o artigo 2.º constitui um dos valores básicos das sociedades democráticas que integram o Conselho da Europa[4]. Como resulta da construção do artigo 2.º, do mesmo decorrem dois eixos principais. Por um lado, o reconhecimento[5] e a obrigação de proteção legal deste direito[6], por outro lado, a proibição da provação intencional da vida[7]. Quer isto dizer que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos consagrou uma proteção ético-jurídica da vida muito específica e focada na possibilidade de o direito-vida ser ameaçado ou cerceado. Não se optou aqui, portanto, por abranger outras múltiplas dimensões do direito à vida – como são colocadas, paradigmaticamente, na 1) Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, aclamada em outubro de 2005 na Conferência Geral da UNESCO, e na 2) Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina. Nestas, não só a vida, mas também a dignidade da vida e a qualidade de vida são exaltadas como valores bioéticos em si mesmos. Trata-se de uma questão relevante para contextualizar a emergência deste direito na CEDH.

(...)


[1] Alguns autores criticam esta formulação do n.º 1, considerando como mais adequada a da Declaração Universal dos Direitos Humanos ou a da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos. Cfr. Mário Monte, Direito à vida e proibição da pena de morte, in: Paulo Pinto de Albuquerque (Org.), Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais, Vol. I, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2019, pp. 586-606, p. 588.

[2] Segundo o n.º 2 do artigo 15.º da CEDH, A disposição precedente não autoriza nenhuma derrogação ao artigo 2°, salvo quanto ao caso de morte resultante de actos lícitos de guerra, nem aos artigos 3°, 4° (parágrafo 1) e 7°.

[3] Relativo à proibição de tortura: Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes.

[4] Como já expressamente afirmado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso GIULIANI AND GAGGIO v. ITALY, n.º 23458/02, de 24 de março de 2011 (§ 174). Assim também, Paula Ribeiro de Faria, Direito à vida, in: Paulo Pinto de Albuquerque (Org.), Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais, Vol. I, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2019, pp. 551-585, p. 552.

[5] É controverso se se deve afirmar que a CEDH consagra o direito à vida, dado que mesmo na construção da CEDH este direito se assume como um verdadeiro valor. Cfr. Faria (2019), p. 552.

[6] Pelos Estados membros, o que acontecerá, também, por via da incriminação de actos de homicídio.

[7] Em relação ao qual são enumeradas as excepções no número 2 do artigo 2.º.

Direito à vida no Sistema Europeu de Proteção dos Direitos Humanos

In Os Sistemas Europeu e Interamericano de Proteção de Direitos Humanos: uma Leitura Comparada (Almeida, Rousset, coords.), Madrid: Aranzadi, 2024, pp. 481 - 490.

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