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Que uns tenham mais e outros menos, que me importa?

07-07-2023
Os especialistas em pintos «per capita» dizem que a Maria e a Joana têm, em média, 4 pintos cada uma. O problema é que, de facto, a Maria tem 8 e a Joana não tem nenhum.



Estávamos em plena pandemia, a discutir as desigualdades no acesso às vacinas, e o filme "Parasitas" (Bong Joon-ho, 2019) era campeão das nomeações aos óscares. A propósito de desigualdades, tive a sorte de ser assaltada, na mesma altura, por inquietações melhores, como

- "O Regresso a Reims", de Didier Eribon (D. Quixote), a perguntar como é que as localidades fabris do norte de França puderam tornar-se um bastião da ultradireita, em poucos anos;

- "Essa Gente", de Chico Buarque (Companhia das Letras), a perguntar como é que o Brasil se tornou numa «ferida bela», qual rosto de jovem mulher violentada. Foi Prémio Camões.

"Essa Gente" é um livro capaz de agradar a (quase) todos, com certeza. Hoje, à hora do almoço dei de caras com ele na montra de uma pequena papelaria, e lembrei-me de partilhar convosco dois pensamentos:

1) Em "Not Enough – Human Rights in an Unequal World" (2018), Samuel Moyn examina historicamente o problema de a igualdade ser confundida com a «suficiência» e de como essa confusão determina negativamente a distribuição de bens na sociedade contemporânea. Com efeito, assegurar que as pessoas mais pobres e desamparadas tenham bem-estar material suficiente é uma agenda fortemente associada aos direitos humanos, associação consolidada ao ponto de a linguagem dos direitos humanos se ter tornado uma linguagem do alívio [alleviation] dos mais destituídos – alívio, muito mais do que emancipação ou empoderamento.

De modo idêntico, Margot Salomon, em "Why Should It Matter That Others Have More?" (2011) salientava que aquela abordagem minimalista oblitera a desigualdade material global - se é verdade que o direito internacional dos direitos humanos tem estado atento à pobreza que continua a atormentar metade da humanidade, é igualmente verdade que os direitos socioeconómicos das sociedades modernas ocidentais estão orientados para uma garantia de requisitos mínimos de subsistência e padrões de dignidade bastante básicos.


2) A teoria das «capabilities», desenvolvida sobretudo por Amartya Sem (Nobel da Economia) e Martha Nussbaum, pretende responder a questões como a de saber o que deve considerar-se um paradigma de vida adequado ou que elementos devem ter-se em consideração na definição de «qualidade de vida». Surge como alternativa – como oposição, na verdade – às abordagens que se concentram no crescimento económico como principal medida de progresso.

O desenvolvimento social deveria ser entendido como a expansão das capacidades das pessoas, isto é, as oportunidades que têm de viver uma vida que têm motivos para valorizar. Esta é uma perspetiva do desenvolvimento muito mais abrangente e precisa do que as medidas tradicionais, como o PIB per capita – que nos diz pouco sobre a pobreza real, o desnível, a desigualdade ou a injustiça social.

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