Tens de mudar de Vida
"Algo está errado. O quê? A cada dia cresce dentro de si um langor que não diz o seu nome, uma imprecisão na alma. É hora de decidir alguma coisa..."
[Tradução minha do artigo de Alexandre Lacroix, "Changer de vie" in Philosophie Magazine, 29-08-2012. Realces meus.]
"Algo está errado. O quê? A cada dia cresce dentro de si um langor que não diz o seu nome, uma imprecisão na alma. É hora de decidir alguma coisa, de enfrentar o problema de frente, mas o que fazer? Começar psicanálise ou inscrever-se num curso de windsurf? Voltar a estudar, aprender uma nova profissão ou fazer uma viagem, de mochila às costas, pela América do Sul?
Devemos mudar a maneira como pensamos ou agimos? Existem duas maneiras de superar um desconforto insuportável, uma recessão ou uma simples fase de transição: ou seguimos o caminho pacífico da introspeção, da meditação, ou nos lançamos no caminho íngreme da ação, da mudança radical de vida.
Ser transformado, em pensamento ou em ação?
Esta alternativa já está presente nos próprios fundamentos da história da filosofia. Encontramo-lo magnificamente representado por dois diálogos de Platão, o Alcibíades e o Laques. No Alcibíades, Sócrates explica que "é da alma que devemos cuidar e é sobre ela que devemos dirigir o nosso olhar". Ele avisa que Alcibíades ainda deve examinar-se, aprender a conhecer-se. Se não tivermos feito este exercício de introspeção, adverte Sócrates, não podemos saber o que é bom e o que é mau, por isso seria imprudente agir.
Mas Laques abre uma perspetiva completamente diferente. Desta vez conversando com dois generais atenienses, dois veteranos, Sócrates desenvolve a ideia de que a coragem é uma espécie de "firmeza de alma", que consiste em colocar "as nossas ações e as nossas palavras de acordo". Agir de acordo com o que dizemos e com o que consideramos verdadeiro: tal é a lição deste diálogo. Desta vez, já não se trata de contemplar a nossa alma, mas sim de traduzir em comportamentos eficazes aquilo em que acreditamos, o que pensamos.
"Quando comparamos Laques e Alcibíades", explica Foucault no seu último curso no Collège de France, A Coragem da Verdade, "temos aqui o ponto de partida de duas grandes linhas de evolução na reflexão e na prática da filosofia: a filosofia como sendo aquilo que, ao inclinar, ao encorajar os homens a cuidar de si mesmos, os conduz a esta realidade metafísica que é a da alma; e a filosofia como sendo uma prova de vida, uma prova de existência e o desenvolvimento de um determinado modo de vida."
Hoje em dia, quem quiser conhecer-se não irá consultar um filósofo, mas sim um psicanalista. Ele cumprirá um protocolo terapêutico que visa um exame aprofundado de seu próprio psiquismo, dos seus afetos e dos seus desejos.
Por outro lado, é possível preferir o caminho da experimentação. Ao mudar de país, de profissão, sair da cidade para o campo, embarcar num novo romance, até começar aulas de piano ou de kung-fu, ou começar a escrever um diário, o desafio é encontrar harmonia consigo mesmo através de uma mudança no seu estilo de vida.
O PROJETO BIOESTÉTICO
A modificação pode ser maior ou menor, a ambição é sempre a mesma: é, insiste Foucault, "fazer da vida uma obra de arte". Quem muda a sua vida quer tornar-se autor e criador dos seus dias; subscreve, portanto, uma "estética da existência", o que Foucault também chama de "bioestética". Este projeto assumiu faces muito diferentes ao longo dos séculos. Na Antiguidade, materializava-se na figura do sábio; na idade medieval, na do santo; na modernidade, é prerrogativa do artista, ou mesmo do ativista e do revolucionário. Em todos os casos, o objetivo é inventar uma vida que seja a manifestação de um pensamento. "Em todos os sentidos da palavra francesa, alguém "expõe" a própria vida", diz-nos Foucault.
Ou seja, mostramos e arriscamos. Arriscamo-lo ao mostrá-lo, e é porque o mostramos que arriscamos. Expomos a nossa vida, não através dos nossos discursos, mas através da nossa própria vida. Cuidar de si, criar-se, não por orgulho ou delírio megalomaníaco, mas por uma exigência de verdade, de viver na verdade e não na dissimulação e no erro: esta é a lição que nos é transmitida, pelo exemplo e pelo efeito de contágio, nos sábios da Antiguidade.
Faça da sua vida uma obra de arte: por mais estimulante que seja este slogan, infelizmente, não fará mais do que mergulhá-lo na perplexidade. Porque a existência, toda a existência, mesmo a de um aventureiro ou de um nómada, também é feita de repetições, de banalidades, de peso, de gaguez. Quero fazer da minha vida uma obra de arte, quero responder-me, mas ainda terei de comer, lavar, dormir, ganhar o meu pão, cuidar dos meus filhos, e a maior parte do meu tempo será, de qualquer forma, sacrificada a atividades prosaicas.
"Na maioria das vezes não ultrapassamos o estupor do vagabundo", disse Jean Genet sobre si mesmo, que, no entanto, não teve uma existência estática ou enfadonha.
Além disso, para quem não está convencido do voluntarismo da bioestética, existe outra forma de mudar de vida. Menos sensacional, menos grandiloquente, mais progressista e dinâmico. Foi explorado por um filósofo contemporâneo e amigo de Michel Foucault, Gilles Deleuze.
APELO PARA VOAR
Para este último, a revolta contra a psicanálise é ainda mais clara do que para Foucault. Não é ele o autor, com Félix Guattari, do anti-Édipo? A ideia central de Deleuze é que a psicanálise traz o neurótico de volta à mãe e ao pai e o mantém numa dívida infinita com a infância e o passado. "A psicanálise apenas enquadra Édipo." E o que oferece em troca? Não insista em resolver a neurose, mas siga em frente, construa sobre ela, correndo o risco da loucura. Este é o programa que ele expõe não sem humor em Parparlers: "Criar uma escola para esquizofrenia não seria mau. Liberte os fluxos…"
Para além da provocação, esta observação de Deleuze surge da atenção especial do autor à questão do devir. Cada um de nós está embarcado numa multiplicidade de devires simultâneos e por vezes contraditórios: há em nós um devir sábio e um devir louco, um devir autómato e um devir animal, um devir mulher e um devir masculino, um devir europeu e um devir estrangeiro.
"Todos nós temos impulsos minoritários, para as viagens, para a arte, para a loucura, para a sexualidade, para a miséria.»
Mudar a vida, para Deleuze, é ter a coragem de permitir que um desses desejos minoritários que fervilham dentro de nós seja plenamente expresso. Tomar uma linha de fuga: esta é a solução de Deleuze para o grande problema da mudança de vida.
Mas cuidado! É preciso ter estômago forte e não ter medo de perder penas... Além disso, os franceses são, segundo o filósofo, um povo pouco equipado para esta grande aventura, esta navegação à vista na tempestade: "O povo francês gasta o seu tempo fazendo balanços. Eles não sabem como se tornar; pensam em termos de passado histórico e futuro. Mesmo quanto à revolução, pensam num futuro da Revolução e não num devir revolucionário. Não sabem traçar uma linha, seguir um canal... Gostam demais de raízes, de árvores, de cadastro."
Seguir uma linha de fuga só é possível se não calcularmos em termos de ponto de partida e de chegada, portanto, se formos capazes de amar o devir por si só. "Não existe um termo a partir do qual partimos, nem um ao qual devemos chegar… A pergunta «o que é que estás a tornar-te?» é particularmente estúpida. Porque à medida que alguém se torna, o que ele se torna muda tanto quanto ele mesmo." (Diálogos.)
Foucault, Deleuze: cada um à sua maneira oferece um método para mudar a vida que é estritamente filosófico e nada tem a ver com o tratamento psicanalítico. Escolheremos um ou outro, dependendo da nossa conceção de existência. Na tradição de Foucault, podemos querer fazer da duração – em suma, bastante breve – do nosso tempo na terra a matéria-prima para uma criação original. Neste caso, nunca perderemos de vista o resultado final que pretendemos alcançar, o "rasto" que queremos deixar e mostrar aos outros.
Com Deleuze é possível, pelo contrário, confiar no devir, portanto no desejo e no acaso, e libertar-se das amarras. Coragem, rutura, autoafirmação absoluta, por um lado. Nomadismo, acidentes, liberdade, por outro. Aqui estão as duas variações contemporâneas desta magnífica afirmação, que é também o título do livro do filósofo alemão Peter Sloterdijk: Tens de mudar de vida!